Você é um adulto com transtorno de déficit de atenção? Como saber?
Mais associado à infância, o TDAH por vezes é diagnosticado tardiamente, prolongando desafios no que diz respeito a relacionamentos familiares, sociais e de trabalho
A condição é conhecida por características como desatenção, agitação e impulsividade. Os sinais do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) aparecem na infância, mas nem sempre são notados e investigados como se deve, atrasando ou mesmo inviabilizando o diagnóstico ainda nesse período.
Sem a devida identificação e o tratamento adequado, as manifestações se estendem ao longo dos anos, complicando rotinas e trazendo prejuízos em vários aspectos da vida.
De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, publicado pelo Ministério da Saúde em 2022, a prevalência de TDAH no Brasil é estimada em 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos e 6,1% nos maiores de 44 anos.
Antes de mais nada, vale frisar a importância de não cair em banalizações sobre a condição e fugir da tentação do autodiagnóstico. “Não basta a pessoa ser vista como distraída ou agitada para dizer que ela tem TDAH”, avisa o psiquiatra Mario Louzã, coordenador do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq/FMUSP). “Existe uma lista de 18 sinais e sintomas, nove de déficit de atenção e nove de hiperatividade e impulsividade, definida pela Associação Americana de Psiquiatria. É preciso que ocorram com frequência pelo menos seis de cada grupo para que se sugira a TDAH em crianças. E cinco em adultos”, explica o médico.
Na desatenção, segundo a definição da entidade americana, há a dificuldade de concentração, foco e organização. A pessoa não presta muita atenção em detalhes, tem problema para se manter ligado em tarefas ou nas conversas e leituras, não segue instruções, administra mal o tempo, perde constantemente objetos como livros, chaves, carteira, celular e óculos, entre outros sinais.
Já na hiperatividade se assinalam inquietações e na impulsividade, decisões ou ações tomadas sem pensar nas consequências. O indivíduo costuma se mexer o tempo todo, não consegue ficar sentado, fala excessivamente, não tolera esperar sua vez em filas, interrompe conversas e outras atividades, por exemplo.
Diagnóstico complexo e os impactos na vida adulta
“Como acontece em geral em distúrbios psiquiátricos, a investigação de TDAH é essencialmente clínica. Exames como eletroencefalograma e ressonância magnética só ajudam a excluir outras comorbidades”, diz Mario Louzã.
Um dos critérios da averiguação é observar se os sintomas tiveram início antes dos 12 anos, se estão presentes nos diferentes ambientes do cotidiano, como escola, casa e trabalho, e se causam prejuízos nesses diferentes contextos.
De acordo com o psiquiatra da USP, estima-se que, em cerca de 50% das crianças, à medida que o cérebro vai se desenvolvendo, há uma redução ou mesmo o desaparecimento da condição, que decorre de atraso da maturação cerebral. Na outra metade dos casos, o TDAH persiste com o avançar da idade. Isso sem contar que uma parte nem sequer chega a ser diagnosticada na infância e entra pelos anos sem perceber que tem o transtorno.
Para avaliar um adulto com suspeita, é preciso levar em conta as queixas e rastrear informações sobre a história familiar, uma vez que há um componente genético no TDAH.
“É fundamental fazer uma boa anamnese, obter dados sobre como foi a infância e a vida escolar. Por isso, não basta a pessoa sair checando por conta própria escalas de avaliação e listas de verificação de sintomas. A interpretação de todas as informações deve ser feita por um psiquiatra. É o profissional quem vai concluir o diagnóstico e planejar o tratamento”, destaca Louzã.
Mas, afinal, por que a demora em ao menos desconfiar que o TDAH está presente já nos primeiros anos de vida? “Na infância, os pais naturalmente acabam assessorando, ajudando a organizar a rotina, de forma que muitas vezes os sintomas ficam disfarçados, digamos assim”, responde o médico. “Mas quando vai chegando o ensino médio, a época de faculdade, o indivíduo passa a ter que se virar sozinho e fica então mais explícita a dificuldade de autogestão”, continua.
Isso acontece porque a disfunção executiva é um traço marcante do TDAH, atrapalhando habilidades de organização e planejamento. “É comum uma pessoa perceber o problema ao ser promovida no trabalho. A complexidade da nova função, o aumento de demanda, a necessidade de ter que prever ações e antecipar tarefas, fazer estimativas, gerenciar uma equipe, tudo começa a deixar evidentes os indícios de TDAH que passavam despercebidos”, exemplifica Louzã.
As falhas nas funções executivas justificam também a falta de controle inibitório, ligada à faceta de hiperatividade e impulsividade. “A pessoa não é capaz de postergar suas vontades e desejos, tudo tem que ser imediato. Uma das queixas é fazer compras sem ponderar, gastar desnecessariamente e depois se arrepender”, esclarece o psiquiatra.
Esses e outros rompantes comprometem o equilíbrio familiar, e muitas vezes as instabilidades implicam rupturas de relacionamentos e abalam a vida social e profissional.
A coexistência com outros distúrbios é outro aspecto frequente no TDAH. O descontrole inibitório pode levar ao vício em drogas, especialmente na adolescência. Estudos mostram também o elo com transtornos de humor, ansiedade e depressão na vida adulta. “E, em qualquer faixa etária, é comum lidar com o atraso nas fases do sono, resultando em sonolência de manhã e melhor funcionamento depois do meio-dia”, descreve Louzã.
Tratamento adequado e vida sob controle
A combinação de intervenções farmacológicas e terapia cognitivo-comportamental é a linha-base de manejo do TDAH. “Para crianças, como os pais costumam ter resistência ao uso de medicamentos, é usual o processo começar com psicoterapia. Se houver transtornos de aprendizagem como dislexia, o apoio de psicopedagogia e fonoaudiologia faz parte das recomendações”, informa Mario Louzã.
Para adultos, via de regra, são prescritos psicoestimulantes, que elevam a produção de alguns neurotransmissores, ajudando a melhorar concentração e foco. “São medicamentos eficazes, conhecidos há décadas”, aponta o médico.
Mais recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro fármaco não estimulante para TDAH, atomoxetina, uma molécula já utilizada nos Estados Unidos há mais de 20 anos. “É bom poder contar com outra classe terapêutica, diferentes mecanismos de ação. Esse medicamento ajuda a diminuir a ansiedade, sendo uma forma prática de tratar duas condições simultaneamente”, comenta Louzã.
A terapia complementa os cuidados. Até porque a tendência é o TDAH desencadear consequências como baixa autoestima, pelo acúmulo de frustrações ao longo da vida e os entraves de relacionamentos, e esse tipo de intervenção ajuda a reorganizar a vida. “Com medicação e terapia, é possível progredir muito bem, melhorar questões relacionadas a autogerenciamento e viver momentos satisfatórios tanto no âmbito pessoal quanto no trabalho”, afirma o psiquiatra.
20 de julho de 2024
,Goretti Tenorio
Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.