Tuberculose: alerta para o aumento de número de casos no Brasil
Ela tem prevenção, tratamento e cura. Porém, no mundo todo, é a doença infecciosa que mais mata. E por aqui não é diferente
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 10 milhões de pessoas tiveram tuberculose em 2022. E ela está presente em todas as faixas etárias.
No Brasil, o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre o tema, publicado em março de 2024, informa que, também em 2022, essa foi a segunda causa de morte no país por um único agente infeccioso – ficando atrás apenas da covid-19. Mais de 80 mil brasileiros adoecem por essa razão todo ano.
Estamos, portanto, muito distantes de cumprir o compromisso de redução da tuberculose e da visão de um mundo livre dessa doença até 2035, meta da Estratégia Global pelo Fim da TB.
Na verdade, o documento do Ministério da Saúde aponta um crescimento preocupante: em 2022, em comparação com 2019, apenas três estados não apresentaram subida no número de óbitos: Roraima, Distrito Federal e Pernambuco. Já Amazonas, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Pará apresentaram os maiores coeficientes de mortalidade no período.
Como explicar a persistência desse grave problema de saúde pública?
“Estamos falando de uma doença complexa, de patogenicidade incomum, tanto que os luminares da Medicina do século 19 tinham quase certeza de que não era infecciosa”, diz o infectologista Helio Bacha, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Isso porque, continua a médico, na tuberculose há uma distinção entre infecção e doença propriamente dita. “Um terço da população carrega o Mycobacterium tuberculosis ou bacilo de Koch. Mas, em mais de 90% dos casos, a pessoa tem condições imunológicas de cura espontânea. É o que chamamos de tuberculose latente”, explica.
Esses indivíduos não transmitem a doença, mas estão sob risco maior de, diante de uma queda na imunidade, desenvolver a tuberculose e, aí sim, passar a ser fonte de contágio. O paciente com tuberculose bacilífera expele o patógeno por meio de tosse, fala e espirros.
O elo com a desigualdade
Na visão de Hélio Bacha, há um obstáculo importante quando se trata de conter o crescimento da tuberculose: “É uma doença das pessoas excluídas social e economicamente. Há uma subestimação do problema, porque atinge uma população muito específica. Pobres, encarcerados, população em situação de rua, indígenas, pessoas com HIV”, contextualiza.
“A melhor prevenção é tratar precocemente os portadores de tuberculose bacilífera, mas para isso tem que diagnosticar o quanto antes”, observa. Isso significa identificar sobretudo nas populações de maior risco casos de tosse duradoura, por mais de três semanas. O passo seguinte é realizar uma baciloscopia, exame que pesquisa a presença do bacilo no escarro, para confirmar se a doença está ativa. Desde 2019, o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza também o teste rápido molecular, que dá o resultado em até duas horas.
“O preconceito social, porém, dificulta imensamente a busca ativa e o tratamento incentivado das pessoas em situações mais vulneráveis”, lamenta Helio Bacha. “A pandemia de covid-19 atrapalhou muito a assistência, é bem verdade, mas a situação já vinha piorando antes disso”, relata.
Com 50 anos de Medicina, a maior parte deles atuando em doenças Infecciosas e parasitárias, o médico elenca pontos importantes que precisam ser considerados para mudar o cenário da tuberculose no Brasil:
- A doença é um problema coletivo.
- Seu controle exige responsabilidade social e política de Estado.
- É preciso elevar investimentos em pesquisa, assim como em diagnóstico, tratamento e suporte clínico.
- Combater o preconceito em relação às populações fragilizadas é crucial para que os índices possam cair.
“Temos todos os recursos técnicos para classificar e tratar a tuberculose. Há um programa gratuito voltado para esse fim. Com o paciente devidamente identificado e o esquema básico iniciado, em 15 dias a pessoa já não transmite mais a doença”, lembra o médico.
Conseguir a adesão, porém, é outro desafio, uma vez que são necessários ao menos seis meses para que o problema seja debelado. São quatro medicamentos orais nos primeiros dois meses e dois nos quatro seguintes. “Os profissionais envolvidos na abordagem devem investir para que o paciente receba todas as informações e siga com o plano terapêutico. Isso é de suma importância não apenas para o indivíduo doente, mas para a sociedade como um todo, para reduzir a transmissão do bacilo”, alerta Bacha.
A falta de adesão, com frequentes interrupções do tratamento, aliás, é uma das razões do aumento da tuberculose resistente. Entre 2015 e 2023, foram notificados no país mais de 17 mil casos desse tipo de doença, de manejo mais complexo.
Para o tratamento da doença multirresistente ou de quadros de intolerância aos medicamentos tradicionais, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 2019, uma nova droga, a bedaquilina, aumentando assim a esperança de começar a vencer as mazelas da tuberculose.
E o papel da vacina?
O imunizante BCG, conhecido por deixar aquela marquinha no braço, é de indicação rotineira às crianças de até 5 anos de idade. Ofertada nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), de acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a vacina “não oferece eficácia de 100% na prevenção da tuberculose pulmonar, mas sua aplicação em massa permite a prevenção de formas graves da doença”.
Recentemente, pesquisadores do Instituto Butantan apresentaram uma nova formulação, a BCG Recombinante, cujos resultados de testes em animais indicam uma proteção maior e mais duradora da vacina.
25 de julho de 2024
,Goretti Tenorio
Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.