Gêmeos de pais diferentes: quando a ficção tem tudo a ver com a realidade, por mais improvável que pareça
Lançamento recente de série no streaming suscita curiosidade sobre condição pouco frequente na população geral
Não é difícil encontrar quem se aprofunde no tema da gestação gemelar ainda que não seja médico ou cientista, considerando ser esse um fenômeno natural e ao mesmo tempo complexo, motivo de discussões e debates que ultrapassam as fronteiras da ciência. E o que dizer da gestação com pais diferentes?
O tema despertou curiosidade geral com o lançamento recente de uma série brasileira na Netflix, Pedaço de Mim, estrelada por Juliana Paes e Vladimir Brichta. É a história de uma mulher que sonha ser mãe e se descobre grávida de gêmeos após vivenciar momentos críticos na vida pessoal, motivados por dois homens – seu marido e um indivíduo que se relaciona com ela não consensualmente. Cada um desses homens é pai de um dos filhos que a protagonista espera, condição a que se dá o nome de superfecundação heteroparental.
Se na ficção o assunto pode render vários episódios, na vida real não deve ser diferente – afinal, ele é tão raro que muitos podem confundir com ficção científica (ou folhetim). O fato é que a superfecundação heteroparental tem baixa frequência estimada – aproximadamente um caso em cada 13 mil nascimentos – e por isso mesmo é pouco divulgada. Daí o caráter excêntrico atribuível a ela.
O fenômeno acontece quando dois óvulos são fecundados por espermatozoides de parceiros distintos. Como o óvulo tem vida média de 12 a 48 horas, e o espermatozoide dentro do trato feminino, cerca de 72 horas, é possível que espermatozoides de homens diferentes fecundem óvulos do mesmo ciclo menstrual, caso a mulher tenha tido dois parceiros em um período conhecido como janela de fertilização – o qual, em geral, dura menos que uma semana.
As explicações para um maior número de casos dessa condição ainda são escassas. A obstetra Daniela Maeyama, da Maternidade São Luiz Star (Rede D’Or), opina que o aumento do uso de medicamentos estimuladores da ovulação, sobretudo nos casos de infertilidade, e o comportamento sexual da população nos últimos anos ajudam a esclarecer a superfecundação heteroparental. No entanto, a fecundação de dois óvulos pode ocorrer e mesmo assim a gravidez não se efetivar, ou seja: não dá para falar em garantias.
Portanto, nada de estranhamento. Sempre é possível deparar com situações consideradas absurdas, dignas de histórias arquitetadas pelos roteiristas mais criativos, mas que são perfeitamente plausíveis dos pontos de vista clínico e científico. Afinal, se o universo da ficção é infinito, o “nosso” universo também é!
31 de julho de 2024
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