Cúrcuma: até onde vão os benefícios e onde começam os perigos?
Da culinária aos suplementos, a cúrcuma ganhou status de superalimento. Mas até onde isso é verdade?
A cúrcuma é uma especiaria milenar, de cor alaranjada e sabor acentuado, ótima para temperar alimentos. Muito utilizada em países do Oriente, ela é da família do gengibre e se parece, até mesmo, como uma miniatura dessa raiz. Também conhecida como açafrão, açafrão-da-terra ou gengibre amarelo, a cúrcuma vem ganhando os holofotes. Tanto que, na mídia e na internet, são constantes as matérias sobre seus diversos benefícios, desde os efeitos antioxidante e anti-inflamatório até propriedades neuroprotetoras e cardioprotetoras.
Como tempero, seu uso é bastante apreciado. Mas será que a cúrcuma realmente pode ser considerada um superalimento ou é apenas mais um caso de “modismo da vez”?
Quem responde essa questão é o hepatologista Dr. Raymundo Paraná, que explica que a cúrcuma é uma raiz que tem algumas propriedades e vários princípios ativos. “Do ponto de vista da ciência farmacêutica, algumas dessas substâncias podem até ter algum poder, mas há uma diferença muito grande entre encontrar num estudo de laboratório uma propriedade de um determinado medicamento ou até mesmo no modelo animal e transportar isso para o humano. Não é assim que as coisas acontecem”, alerta o médico.
Segundo ele, o organismo humano tem uma complexidade muito grande e uma série de interações entre um bilhão de células. “Portanto, quando achamos que existe alguma propriedade benéfica, é preciso comprovar com estudos de fase 3, que avaliam prospectivamente pacientes que usaram e que não usaram para um determinado desfecho”, expõe o médico, professor titular do Departamento de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e livre-docente em Hepatologia na mesma instituição.
Benefícios versus riscos
Assim como outros ingredientes que se tornaram famosos, como o cogumelo do sol, a aloe vera e o hibisco, a cúrcuma também está na moda e, embora não se possa duvidar das propriedades naturais dessa raiz, o hepatologista ressalta que é importante tomar cuidado com os superalimentos vendidos como suplementos, fórmulas e cápsulas medicamentosas, pois ainda não há estudos científicos que demonstrem a dose ideal para o alcance dos benefícios e quais são os possíveis riscos.
“Hoje, a propriedade anti-inflamatória é alardeada, mas não sabemos a dose, as interações, quem fabrica, como é concentrada… São vários fabricantes diferentes, inclusive farmácias magistrais, farmácias de manipulação, ou seja, a desinformação é muito maior do que a informação”, declara Paraná.
Mesmo com a ausência de um estudo detalhado, há um ditado popular que também é válido para o consumo da cúrcuma: “qualquer coisa em exagero pode ser ruim”. Isso porque o consumo da raiz pode gerar dano à saúde. O médico cita um exemplo disso: “Em 2022, na Itália e na Áustria, houve um surto de hepatite grave quando se começou a comercialização da cúrcuma com a pimenta negra, também conhecida como black pepper ou peperine. Há uma interação medicamentosa da cúrcuma que interfere no metabolismo de um alcaloide, que é um dos princípios ativos da pimenta negra. Isso causou hepatite grave e uma espécie de autoimunização, gerando reação inflamatória no fígado”, declara o professor. Depois desses episódios, a Europa proibiu a comercialização dessas substâncias em conjunto, mas no Brasil elas são vendidas livremente.
Tempero
A raiz também é facilmente encontrada na versão em pó, para ser utilizada como tempero na culinária, sendo indicada para uso no arroz, em vegetais cozidos ou no frango, por exemplo. Especificamente nesses casos, não há contraindicação, já que é colocada uma quantidade pequena, que é diluída e passa por outros processos de cocção. Paraná explica que o que torna a ingestão como tempero mais segura é que a absorção da cúrcuma é mínima no tubo digestivo e não é absorvida, diferentemente de quando é ingerida em formulações muito concentradas, podendo se tornar tóxica.
“É importante chamar a atenção para o fato de que muitas ervas são utilizadas como chás e temperos e não causam nada. O problema é causado no momento em que, falsamente, se quer ganhar dinheiro com eles, se inventam essas propriedades e começam a comercializar antes de estudá-las”. É o caso do chá verde, que tem catequina, substância que pode causar dano grave ao fígado. Quando é usado como chá, assim como é o costume na Ásia, não tem nada de errado. “O problema aconteceu quando ele começou a ser comercializado como cápsulas, suplementos alimentares e até como shakes. Há mais de 70 publicações sobre isso, todas atestando a toxicidade grave da catequina, inclusive pacientes que morreram e pacientes que foram transplantados. Semelhante situação ocorre com a maca peruana, que fica muito mais tóxica quando consumida nessas formulações”, orienta o pesquisador.
Cuidados
O hepatologista explica que, enquanto não existirem estudos de fase 3 sobre a cúrcuma, não é possível chegar a uma conclusão concreta sobre seu consumo. “Quando se coloca uma droga para comercializar, são 15 anos de estudos, no mínimo. Enquanto não conhecermos todas as padronizações de preparo, extração e preparo da cúrcuma, não podemos dizer que existe dose segura, porque não existe nenhuma droga, chá ou erva que não ofereça nenhum risco”, ele afirma. “Existe o benefício e o risco: a balança da sensatez que só funciona se tiver o fiel da balança, e o fiel da balança é evidência científica de qualidade”.
Além disso, já foi comprovado que a curcumina, um dos princípios ativos da raiz, pode agredir diretamente o fígado ou interagir com medicamentos. Aquela cor viva, amarelada e que tanto chama a atenção também é um sinal de alerta, já que, quanto mais forte for a tonalidade, maiores serão as chances de a raiz ter sido contaminada por cromo ou chumbo, metais pesados que podem causar graves consequências ao organismo, mas que também fazem aumentar o valor de mercado da cúrcuma.
“Não arrisco a dizer que existe algum benefício comprovado do consumo da cúrcuma neste momento, mas algumas coisas precisam ser exploradas com responsabilidade, com ciência, usando um método científico para validar as supostas ações benéficas. É dessa forma que um estudo precisa ser feito, diferente da ganância que se vê hoje, com vários especialistas fake em rede social, indivíduos que não têm registro de especialidade alardeando tratamentos que também não têm nenhuma comprovação científica vendendo esses produtos, o que é deplorável”, finaliza o médico.
23 de abril de 2025
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