Aumento benigno da próstata: do Rei Charles III aos plebeus
O problema ligado à retenção da urina é um dos mais comuns que acometem a glândula masculina, mas os homens ainda demoram a procurar ajuda mesmo diante de desconfortos
O nome oficial é hiperplasia prostática benigna (HPB). E é bem difícil escapar dela à medida que a idade avança. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), aos 50 anos, cerca de 20% da população apresentará sintomas em razão do crescimento da próstata. Entre os que alcançaram oito décadas de vida, 80% terão que lidar com o problema. Não importa que seja o monarca britânico. O Rei Charles III, como revelaram as notícias logo no início de 2024, operou a próstata para aliviar o sistema urinário.
“O aumento da glândula decorre da multiplicação das células prostáticas, e isso pode desencadear um processo de obstrução no trajeto da urina”, explica o urologista Ricardo Vita, do Hospital Moriah, em São Paulo. Com o caminho interrompido, surge a dificuldade de esvaziamento da bexiga. “Ela precisa fazer mais força, trabalhar sob alta pressão. Com o tempo, apresenta consequências tanto na sensibilidade quanto no potencial de contração para se esvaziar”, completa.
O aumento de volume, como o próprio nome da condição revela, é benigno e não está relacionado a maior risco de ter câncer de próstata. “Essas doenças acontecem em zonas diferentes. A HPB se desenvolve na parte mais central da glândula, que envolve o canal urinário, a uretra. O câncer, em 95% dos casos, tem origem na chamada zona periférica”, esclarece Ricardo Vita. Pode até coincidir de o homem desenvolver as duas doenças ao mesmo tempo, mas elas não são interligadas.
Não dá pra deixar pra lá
Como em outras condições, fazer o diagnóstico da hiperplasia prostática o quanto antes é fundamental para controlar seu avanço. Não vale, portanto, ignorar sinais como dificuldade para urinar, com jato mais fraco, interrompido, espalhado, e urgência de ir ao banheiro a toda hora. Até porque é possível chegar a situações extremas, em que a bexiga simplesmente perde sua função.
A questão é que buscar ajuda médica não é exatamente uma característica masculina. “Diferentemente das mulheres, que costumam fazer acompanhamento com ginecologista logo no início da adolescência, os homens só procuram orientação quando algo impacta demais sua qualidade de vida”, compara o urologista. O ideal seria que, a partir do momento em que deixasse de ir ao pediatra, o menino tivesse um médico de referência, seja clínico, generalista, de medicina de família ou urologista, para monitorar o surgimento do problema. Até porque, de acordo com o especialista, o homem a partir dos 30 anos já tem tendência do aumento de volume na próstata.
Além da idade, a HPB tem outros fatores de risco, entre eles a própria genética – alguns nascem com a predisposição à proliferação de células prostáticas. Quem tem doenças como síndrome metabólica, relacionada a obesidade, hipertensão, diabetes, colesterol alto, também precisa ficar mais atento. Isso porque a condição libera muitas substâncias inflamatórias que estimulam essas células a se multiplicarem.
O checkup de rotina é, portanto, o melhor caminho para manter a saúde urinária em dia, sobretudo quando aparecem os primeiros sinais. “Tudo que engloba dificuldade de segurar e soltar o xixi serve de alerta de HPB”, sinaliza Vita.
Para diferenciar de outras doenças, um exame de urina ajuda a afastar a possibilidade de ser uma infecção, por exemplo. Um ultrassom, por sua vez, averigua se a causa da dificuldade é pedra nos rins ou tumor de bexiga. O nível de PSA, proteína colhida no sangue, e o toque retal também colaboram com a investigação.
Lembrando que diabetes, doenças reumatológicas, neurológicas ou autoimunes também podem interferir no funcionamento do trato urinário. “Para evitar que a HPB se confunda com outras causas, tem que avaliar o paciente como um todo, fazer uma abordagem holística”, diz Ricardo. “Diante de situações mais complexas, uma ressonância magnética ajuda a esclarecer”, complementa.
Tratamento deve ser planejado caso a caso
Ricardo Vita destaca que a HPB é uma doença crônica que não tem cura, por isso a história natural dela é progredir. Seu manejo, portanto, exige monitoramento. “A primeira linha de tratamento é o que chamamos de observação vigilante, com educação do paciente e indicação de mudanças comportamentais para preservar a saúde da bexiga por mais tempo”, aponta o médico.
Se já há incômodos e alterações funcionais e anatômicas identificadas, entram em cena terapias farmacológicas. Se for essa a estratégia, diga-se, a adesão ao medicamento é fundamental – o que levanta outra preocupação, porque muitas vezes os remédios são deixados de lado logo que se observam melhoras ou devido aos efeitos colaterais, como diminuição da libido, queda de pressão, dor de cabeça, entre outros.
“O tratamento deve ser individualizado, e a decisão compartilhada com o paciente é a melhor forma de atender às expectativas e gerar menos frustração com o resultado terapêutico”, defende Ricardo Vita.
Quando é preciso operar
Se os prejuízos à qualidade de vida se acentuam, a saída pode estar na cirurgia. “Felizmente estamos vivendo uma era de avanços tecnológicos e cada vez mais surgem modalidades cirúrgicas diferentes, capazes de abranger tanto volumes prostáticos maiores quanto menores”, diz Vita, que é também diretor de Novas Tecnologias da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Hoje são mais de 15 alternativas cirúrgicas, que envolvem raspar, grampear ou injetar vapor, com uso de laser ou robótica.
Uma dessas novidades, batizada de Rezum, é a mais recente aprovada no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Pelo canal da uretra, um equipamento leva vapor de água até a glândula, com aplicação feita diretamente no tecido prostático. “Com essa técnica minimamente invasiva se opera em 3 minutos e o paciente vai embora uma hora depois”, conta o médico.
E ainda veremos muitas inovações se reunindo ao arsenal terapêutico para HPB. Nos Estados Unidos, o órgão responsável já aprovou um procedimento, chamado Optilume, que consiste em introduzir um cateter de balão temporário na uretra do paciente até alcançar a área obstruída. Ele libera uma substância que provoca uma abertura de forma a restaurar o fluxo urinário interrompido e depois é retirado.
Como todo tratamento, também na cirurgia a escolha da melhor técnica depende de uma avaliação criteriosa do perfil da doença e do paciente.
Muito além dos avanços tecnológicos, porém, é preciso fomentar a percepção dos homens para os sinais que o corpo dá quando alguma coisa não vai bem. A divulgação de que um rei não escapou do problema ajuda? Pode ser. “É preciso insistir em campanhas de conscientização, com apoio da indústria farmacêutica e de equipamentos, órgãos governamentais, ONGs, mídia. Educação em saúde é um elemento-chave nessa questão”, conclui Ricardo Vita.
16 de março de 2024
,Goretti Tenorio
Jornalista pela ECA-USP e desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.