Na gestação, cirurgias para apendicite
e inflamação na vesícula deveriam ser adiadas?
Infelizmente, essas e outras condições de emergência podem surgir durante a gravidez. E novas diretrizes médicas indicam que, em geral, não vale a pena postergar os tratamentos
A gravidez é um momento único na vida do casal. Mas ela não anula o risco de a gestante se deparar com condições fora do aspecto obstétrico, algumas delas emergenciais, que necessitariam de cirurgia.
Estima-se que 2% das mulheres precisem de cirurgias durante o período gestacional, e 45% correspondem a algum tipo de procedimento no abdômen. A apendicite (inflamação do apêndice vermiforme) e a colecistite aguda (inflamação da vesícula biliar) são as duas situações mais comuns.
Quando falamos em cirurgia, as complicações obstétricas mais temidas são o risco de aborto e o parto prematuro. Além disso, exames e medicamentos utilizados no pré- ou no pós-cirúrgico demandam cautela para evitar danos e malformações fetais. A radiografia é um exemplo nesse sentido.
Por isso, o cirurgião especialista e o médico ginecologista são importantes aliados no tratamento multiprofissional durante todo o processo do tratamento.
Segundo dados estatísticos, a perda fetal ocorre em 10% a 40% dos casos quando a gestante está no primeiro trimestre de gestação, com o risco diminuindo para menos de 10% depois desse período. Dessa maneira, historicamente sempre houve uma tendência de a cirurgia ser adiada para o segundo trimestre.
Entretanto, novas diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgiões Endoscópicos e Gastrintestinais (SAGES), baseadas em evidências clínicas seguras, trazem informações relevantes nesse contexto. Antes de tudo, quando a cirurgia apresenta indicação absoluta – ou seja, não há dúvidas de sua necessidade –, ela deve ser realizada de forma videolaparoscópica.
Esse tipo de cirurgia evita a abertura do abdômen e é bastante segura. Além disso, a recuperação pós-operatória é mais rápida. O fato é que, uma vez confirmado o diagnóstico de apendicite aguda, a apendicectomia (retirada do apêndice) em geral é indicada imediatamente, mesmo para gestantes.
Para a colecistite aguda, a cirurgia de retirada da vesícula biliar (colecistectomia) de forma precoce tem sido o tratamento de escolha. Isso com base em evidências de que um atraso resultaria, na verdade, em aumento na taxa de internações, abortos espontâneos e parto prematuro.
O grande desafio, nesses casos, é o atraso no diagnóstico dessas condições, pois há uma tendência a justificar muitos sintomas como derivados da gestação. Por isso, se sentir algo fora do comum, lembre-se de relatar ao seu obstetra.
Uma avaliação médica cuidadosa e uma indicação cirúrgica pertinentes podem salvar a vida da gestante e do feto.
16 de março de 2024
,Marcelo de Oliveira Rodrigues da Cunha
Especialista em Cirurgia Geral, Cirurgia do Trauma e Cirurgia do Aparelho Digestivo, membro da SBCBM e do CBCD, cirurgião robótico pela Intuitive e especialista em Transplante de Fígado e Órgãos do Aparelho Digestivo pelo HC-FMUSP.