Olhar da Saúde-Thumbs-intestino curto

Síndrome do intestino curto é reconhecida como doença rara. Saiba mais sobre a condição

O problema impede a absorção adequada de nutrientes e pode exigir fórmula especial administrada por cateter

A síndrome do intestino curto (SIC), como o nome antecipa, é caracterizada pela redução do tamanho do intestino, geralmente em razão de cirurgias realizadas para corrigir diferentes desordens. Quem explica é a gastroenterologista Maria de Lourdes Teixeira Silva, especialista em nutrição parenteral e enteral que há 30 anos atende pacientes com SIC. 

Nos casos pediátricos, as crianças nascem com algum problema congênito, que ocorre na formação do feto. Um deles é a gastrosquise, em que o intestino se desenvolve para fora do abdômen”, descreve.  Ou o bebê pode ter esse órgão fechado em algumas partes, na chamada atresia intestinal. Ou, ainda na infância, acontece o volvo, uma torção do intestino sobre ele mesmo. 

Nos adultos, a SIC é resultado de algum desarranjo de saúde. Na doença de Crohn, por exemplo, ao longo da vida inflamações vão acometendo áreas do intestino, que então precisam ser retiradas. “Há também casos de complicação de cirurgia bariátrica na qual o intestino forma uma herniação, porque perde muita gordura, e com isso acaba necrosando”, complementa a médica. Quando acontece a morte dos tecidos, essas partes precisam ser removidas. 

“Normalmente o intestino delgado, que processa a absorção dos alimentos, tem de 5 a 7 metros”, diz Maria de Lourdes, que é diretora do Grupo Ganep Nutrição Humana, instituição referência em terapia nutricional no Brasil. “Dizemos que a pessoa tem SIC quando, após um ou vários procedimentos, sobram menos de 2 metros”, continua. Se essa porção restante não for suficiente para absorver os nutrientes dos alimentos, o paciente passa a depender de nutrição parenteral, uma fórmula que reúne elementos como vitaminas e minerais, glicose, lipídios e aminoácidos e é administrada por cateter. Nesses quadros, a doença é classificada como síndrome do intestino curto com falência intestinal – distúrbio que recentemente foi inserido no rol das doenças raras.  

O que muda com a incorporação?

“Com a aprovação do projeto de lei que inclui a SIC com falência intestinal entre as doenças raras, todos os pacientes devem ser contemplados com o tratamento completo”, responde Maria de Lourdes Silva. “A condição já devia estar nesse lugar há muito tempo. Receber nutrição em domicílio é a garantia do prolongamento da vida”, defende. 

Precisar de suporte parenteral, observa a médica, complica bem a vida, porque há a necessidade de instalar um cateter numa veia profunda, o que pode gerar infecção ou trombose e por isso exige acompanhamento regular. Sem contar os trâmites para o recebimento da fórmula em casa.

“Hoje o SUS não paga a nutrição parenteral em domicílio para a maior parte dos adultos, por exemplo”, destaca a especialista. “Então muitos ficam hospitalizados por um tempo para recebê-la, depois vão para casa, ficam desnutridos, perdem 10, 15 quilos, voltam a se internar… Uma rotina conturbada”, descreve. 

De acordo com Maria de Lourdes, são muitas as questões a serem analisadas e resolvidas na implementação da nova política. A casa do paciente está preparada em termos de higiene, energia elétrica, geladeira para o armazenamento da fórmula? A doença, ressalte-se, demanda atenção de médicos, de nutricionistas, que orientam a dieta, de enfermeiros, responsáveis pelos cuidados com o cateter, entre outros profissionais de uma equipe multidisciplinar. “O ideal é que tudo seja planejado e monitorado por centros de reabilitação. Mas são poucos os lugares no Brasil com estruturas assim”, lamenta.  

Falta orientação

Na visão da gastroenterologista, muitos dos indivíduos operados para retirada de pedaços do intestino não compreendem inteiramente sua nova conjuntura de vida. “Sem orientação adequada, recebem alta e começam a sofrer com diarreia, desidratação, cansaço, perda de peso, inchaço nos membros inferiores. Vão deteriorando sua condição clínica até que em algum momento seja finalmente constatada a SIC”, diz. Quando descobrem que têm a doença e começam a receber a nutrição parenteral, passam a ter uma vida normal, mesmo com limitações. “Acompanho um paciente que há 27 anos recebe a fórmula à noite e trabalha durante o dia como caixa do metrô”, exemplifica.

Como é a reabilitação

O manejo da síndrome do intestino curto varia de acordo com o tamanho e a anatomia do órgão que sobrou. Nem todo mundo submetido a cirurgia bariátrica ou com doença de Crohn, é bom que se diga, vai ter SIC com falência intestinal. “Essa é uma complicação extrema”, reforça Maria de Lourdes Silva.

E mais: das pessoas com necessidade de nutrição parenteral, cerca de metade consegue ir reabilitando o intestino. “Ele cresce um pouquinho, aumenta a capacidade de absorção, o paciente passa a ter mais apetite”, relata. “Tudo depende da porção que sobrou após a cirurgia. Aqueles que preservam o intestino grosso, por exemplo, têm 80% de chance de se livrar do cateter”, afirma. 

Para pacientes adultos e pediátricos hoje existe uma medicação capaz de ajudar nessa reabilitação. Estudos comprovaram que, aplicado em injeções diárias, o fármaco teduglutida age para reparar a estrutura e a funcionalidade intestinal, aumentando assim a capacidade de absorção de nutrientes. 

Cirurgia de reconstrução ou alongamento do intestino é outra estratégia na busca pela melhoria de qualidade de vida. Se essas medidas falham, a saída pode ser o transplante do órgão, procedimento complexo e que, de acordo com Registro Brasileiro de Transplantes, foi realizado oito vezes por aqui desde 2015. 

Seja qual for o plano terapêutico mais indicado a cada caso – todos ainda hoje fora do alcance quem depende do SUS –, o recém-criado Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Falência Intestinal, instituído em agosto de 2024, prevê um “conjunto de ações e cuidados para o tratamento da falência intestinal, podendo ocorrer na atenção hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, esta última de modo a preservar a integralidade e a continuidade do cuidado”. 

“Inferimos, com isso, que o programa contempla direito a nutrição parenteral, a tratamento medicamentoso, a cirurgias de alongamento e até transplante, caso necessário. Se existem recursos, eles devem chegar a todos que precisam”, argumenta Maria de Lourdes Teixeira Silva.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio

Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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