Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Vacina da herpes-zóster

Vacina da herpes-zóster pode reduzir o risco de demência?

Pesquisa levanta essa hipótese animadora, mas os dados não são conclusivos. Entenda o caso

Um estudo publicado em outubro de 2024 na revista Nature Medicine, conduzido por pesquisadores das universidades de Oxford e College London, chamou a atenção da comunidade científica ao sugerir que a vacina recombinante contra herpes-zóster (conhecida comercialmente como Shingrix) está associada a um risco reduzido de demência.

Apesar de os resultados parecerem promissores, os próprios autores reforçam que se trata de um achado preliminar, que não comprova causa e efeito. Estudos mais aprofundados, especialmente ensaios clínicos controlados, são necessários para confirmar essa possível proteção adicional.

A herpes-zóster, popularmente conhecida como cobreiro, é causada pelo vírus varicela-zóster — o mesmo da catapora. Esse agente infeccioso pode permanecer “adormecido” no corpo por anos e se reativar, principalmente em pessoas com mais de 50 anos, causando dor intensa e lesões na pele.

Nos últimos anos, estudos sugeriram que vacinas contra a herpes-zóster reduziriam o risco de demência, especialmente Alzheimer. No entanto, essas pesquisas se baseavam principalmente em dados da vacina viva atenuada, que foi descontinuada em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, por oferecer menor proteção em comparação à versão recombinante — que passou a ser a versão mais indicada para idosos.

O que o estudo recente investigou?

Os pesquisadores aproveitaram uma “experiência natural” que aconteceu nos Estados Unidos: a transição brusca, em outubro de 2017, do uso da vacina atenuada para a recombinante. Com acesso aos dados de saúde de milhões de pessoas por meio de uma plataforma de dados médicos, eles analisaram mais de 200 mil pessoas acima de 65 anos que receberam o imunizante contra herpes-zóster antes ou depois dessa mudança.

Os pacientes foram acompanhados por até 6 anos para verificar quantos desenvolveram algum tipo de demência após a vacinação. Observou-se, então, que as pessoas vacinadas com a versão recombinante tiveram um aumento de 17% no tempo de vida sem diagnóstico de demência. Isso representa 164 dias a mais sem esse tipo de doença. Não parece grande coisa, mas lembre-se de que estamos falando de uma média. 

Além disso, esse grupo exibiu, como esperado, menos casos de herpes-zóster. Isso sugere que a proteção contra o vírus pode estar ligada ao menor risco de problemas neurológicos futuros.

Outro achado curioso: o efeito da vacina foi mais forte entre as mulheres. Elas viveram, em média, 222 dias a mais sem demência após a vacinação, comparado a 122 dias nos homens.

Mas… a vacina previne ou apenas atrasa a demência?

Essa é uma das principais dúvidas que o estudo levanta. Os dados mostram que o risco de demência diminui nos primeiros anos após a imunização, porém a diferença entre vacinados e não vacinados diminui com o tempo. Isso sugere, talvez, que essa estratégia não evita completamente o aparecimento de demências, e, sim, que retarde seu início.

Por que isso ocorreria? Há uma hipótese de que o vírus varicela-zóster cause danos no cérebro capazes de acelerar a degeneração cerebral. Ao prevenir essas infecções, a vacina protegeria indiretamente o cérebro.

Outra possibilidade é que os chamados adjuvantes imunológicos presentes na vacina recombinante — que servem para potencializar a resposta do organismo —, tenham algum papel na proteção contra doenças neurodegenerativas. Por ora, não há nada de concreto. 

Cautela com os resultados

Por se tratar de um estudo observacional — ou seja, baseado em análise de prontuários médicos, e não em experimentos controlados —, não é possível afirmar com certeza que a vacina foi a responsável direta pela redução dos casos de demência.

Para tentar minimizar distorções, os autores compararam grupos com características semelhantes (idade, sexo, condições de saúde, histórico médico) e testaram os resultados de várias formas diferentes. São os chamados testes de robustez. 

Ainda assim, os pesquisadores reforçam que somente um ensaio clínico randomizado, considerado o padrão-ouro da ciência, comprovaria esse novo possível benefício.

Não há, no momento, qualquer justificativa para indicar essa vacina exclusivamente contra as demências. A principal recomendação continua sendo a imunização contra a herpes-zóster para pessoas acima de 50 anos, especialmente para evitar um quadro de dor crônica conhecido como neuralgia pós-herpética.

Boa alimentação, atividade física e controle de doenças crônicas continuam sendo as melhores formas conhecidas de proteger o cérebro durante o envelhecimento. 

Por Carlos Eduardo Barra Couri,

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Carlos Eduardo Barra Couri

Médico endocrinologista e curador do Portal Olhar da Saúde.

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